Friday, March 14, 2014

Uma mudança geracional

 Ao contrário da Europa, onde 1968 representou a abertura de horizontes para uma geração portadora de novos sonhos (embora os anos que se seguiram também tenham sido duros e repressivos), no Brasil ele representou a consolidação definitiva do obscurantismo militar, cortando pela raiz e da maneira mais brutal os anseios de mudanças daquela geração.
os valores éticos que predominam na nossa classe-média parecem ainda ser aqueles inculcados pelo regime militar, da mediocridade cultural, da aceitação robótica das informações da mídia, da passividade cívica e da alienação política (não é à toa que tanta gente diz hoje, sem noção nenhuma da monstruosidade que está falando, que tem saudades dos militares). Como diz Pochmann, "é um equívoco entender a elevação de renda como mudança de classe social".
No Brasil, a ditadura ceifou uma geração e deixou uma herança política maldita
Assim, mesmo com boom econômico, com avanços indiscutíveis no trato da questão social, não houve uma grande transformação no sistema político brasileiro e nas suas perversas formas de funcionamento. Ao contrário, parecem ter-se fortalecido no século XXI práticas que remontam às nossas piores heranças históricas, e que os vinte anos de ditadura só fizeram enraizar-se ainda mais, em todas as esferas de poder (ou talvez SOBRETUDO nos Estados e Municípios): o clientelismo, a corrupção generalizada, a ilegalidade como regra, o favor como modus operandi, as negociações de favores e dinheiro na relação executivo-legislativo (sempre em nome da "governabilidade"), o abuso descarado do dinheiro e da máquina pública, os partidos de aluguel; são marcas do nosso cotidiano político (embora existam exceções).
A corrida veloz para o consumo não foi acompanhada de um grande debate em torno de outros valores.
A mudança "pelo consumo" não alterou os fundamentos éticos da sociedade nem a lógica da política
 Os pais e avós vieram para a cidade grande com certa expectativa e aceitação da condição precária que teriam que enfrentar, ainda assim melhor que a seca e a fome em suas cidades de origem. Submeteram-se corajosamente e até certo ponto pacificamente à indecente segregação urbana que lhes foi imposta, a espoliação urbana de que falou o professor Lúcio Kowarick. Mas seus filhos já não pensam da mesma forma
 As gerações mais velhas se habituaram, as mais jovens não entendem (ainda bem)
A manipulação descarada e a tentativa de criar um cenário de "instabilidade"
São os paladinos do "bandido bom é bandido morto", do "mulher estuprada é porque vestiu-se para merecer", do "não sou racista olhe como trato bem os pobres pretos", do "esses jovens de periferia são todos vândalos", do "é tudo corrupto", do "é tudo petralha", do "imagina na copa". São raivosos com um virtuosismo econômico que possa eventualmente tornar os mais pobres consumidores doentios como eles. Não toleram ver os mais pobres andando de avião, não suportam perder seus privilégios.
                                                    
A história se repete, o país já viveu clima parecido de construção forjada de uma "instabilidade cívica", com um fim bastante trágico e décadas de trevas. A diferença agora é que a contra-informação é rápida e eficaz. Que a mobilização é instantânea. (...) Os políticos, de ambos os lados, os pretendentes a políticos (mesmo que ainda vestindo a toga), não parecem em sua maioria ter se dado conta desse fato. Ainda pensam que levarão a melhor apoiando-se na manipulação da classe média, dos conservadores e dos mais velhos. Não entendem que se trata verdadeiramente de uma mudança geracional

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