Monday, September 21, 2015

Sobre a China e bancos chineses

             
Por Jairo Saddi

Em meio a tantas notícias internas ruins, convém ao observador mais atento olhar um pouco para o que se passa no mundo, especificamente para a China. A China representa hoje cerca de 16% do produto mundial e é o segundo maior parceiro comercial do Brasil. Corretamente, parafraseando Metternich, quando a China espirrar, o Brasil certamente ficará (mais) gripado.
E o espirro veio, como sói acontecer, das bolsas. O índice Xangai caiu cerca de 8,5% num único dia (24 de agosto, "a segunda-feira negra") derrubando o preço das commodities e assustando o mercado. No entanto, há outras causas que devem ser apontadas. No início de agosto, a China ordenou uma desvalorização inesperada do yuan, e, consensualmente, espera-se um menor e menos vigoroso crescimento da economia.
Além disto, um aperto monetário do Federal Reserve deve ocorrer em setembro, com o aumento de juros - depois de quase uma década, redesenhando o mapa de liquidez global. A redução do fluxo de capitais tanto para a China (quanto para o Brasil) causou um aumento na taxa de câmbio, uma alta nas obrigações denominadas em moeda estrangeira, com uma consequente maior preocupação no sistema bancário chinês.
O sistema bancário chinês é único. Maiores instituições não são públicas ou privadas, mas braços do Tesouro
O sistema bancário chinês é único no planeta. Primeiro, não é exagerado afirmar que as maiores instituições financeiras chinesas não são bancos públicos ou privados no sentido do termo, mas braços do Tesouro, já que suas relações com o Estado são estreitas. Distantes da livre competição, os bancos chineses (e não os bancos estrangeiros), até agora ao menos, eram extremamente rentáveis, amealhando cerca de 3% do PIB chinês. Parte do jogo, contudo, além de créditos ao consumidor, são os créditos concedidos às empresas públicas; o funding vem do Estado e há limitação de taxas de juros aos tomadores.
Bancos como o Industrial and Commercial Bank of China (ICBC), o China Construction Bank (CCB), o Bank of China (BOC) e o Agricultural Bank of China (ABC) estão na lista dos maiores bancos do mundo. Para se ter uma ideia da grandeza de tais instituições, só na China o ICBC tem mais de 400 mil empregados e cerca de 14 mil agências.
No entanto, há um receio justificado do risco de crédito que tais instituições gerenciam. Ainda que as estatísticas chinesas sejam sempre suspeitas de serem torturadas, estima-se que a inadimplência bancária já beire os 15% do sistema e que um panorama semelhante ao de 1990 possa ocorrer: um generalizado socorro com o dinheiro do contribuinte ao sistema financeiro chinês para evitar uma quebradeira geral.
Ademais do risco dos bancos, há um sistema bancário paralelo (shadow banks) que alguns consideram pouco mais que esquemas piramidais com extraordinárias chances de derreterem - e aí sem apoio estatal, já que pouco regulados e fiscalizados, provocarão impactos reais e relevantes na sociedade chinesa e na sua economia. E para piorar a situação, parte da bolha da bolsa chinesa é financiada por esses esquemas, consequentemente, uma queda abrupta do preço dos ativos não permitirá o pagamento dos empréstimos contraídos como margem.
O crescimento da classe média chinesa e as iniciativas empreendedoras de parte da população urbana incentivaram o aumento da atividade bancária, fatos que, aliados às práticas pouco competitivas de juros, fizeram crescer os bancos e seus serviços. Agora, a desalavancagem é igualmente poderosa. Muitos consumidores interromperam seu ciclo de consumo e muitas empresas individuais não estão conseguindo sobreviver.
Os efeitos no sistema financeiro, se ainda não inteiramente conhecidos, serão sentidos, já que alguns estimam que essa carteira represente quase 30% do total dos ativos dos bancos. Finalmente, gigantes da internet, como Alibaba e Tencent, iniciaram movimentos frenéticos em serviços financeiros em meios de pagamento. No caso do Alibaba, o Yu'E Bao que transfere saldos remanescentes em conta corrente em fundos de investimento (algo como uma conta remunerada) já está na casa dos bilhões, ainda que haja pouca (ou quase inexista) regulação.
É claro que a reforma financeira global patrocinada pelo FSB, do qual a China é signatária, com novos mecanismos para resolução bancária (G-SIBs, TLAC, "bail-in", etc), pode ajudar a aplainar o árido deserto, mas o mesmo acordo regulatório global, com o advento de Basileia III, pode demandar capital na casa dos bilhões apenas para manter os índices de exigibilidades atuais.
Assim, razões de preocupação há de sobra. Muitos acreditam que o início da turbulência chinesa é apenas um resfriado, enquanto outros não hesitam em afirmar que se trata de uma forte gripe, que poderá se transformar numa pneumonia, parecida com a crise asiática de 1997. Talvez isto seja exagerado, e é sempre bom não disseminar o pânico, mas não resta dúvidas de que a bonança dos ventos chineses para os mercados emergentes acabou.

É evidente que a China ainda poderá crescer 5% a 7% ao ano - o que convenhamos, não é pouco - mas até para manter esses níveis atuais, o sistema financeiro chinês precisará de mais disciplina de mercado e de políticas públicas mais consistentes e transparentes.

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