Monday, June 1, 2015

A desordem econômica no país da Ordem e do Progresso

A ordem econômica deve promover a geração e a justa distribuição da riqueza produzida. Na perspectiva dos economistas Novos Clássicos (Friedman e Misses) a ordem econômica seria alcançada por meio de um equilíbrio paretiano na relação entre o lado da oferta e da demanda. Essa corrente acredita que o ponto de equilíbrio da eficiência econômica seria o melhor disponível mesmo que implicasse em injustiça econômico-social. Contudo, a evidência histórica tem indicado que a justaposição entre eficiência e justiça econômica numa caixa de Edgeworth é rara e quanto mais incongruentes estiverem maior é o risco sistêmico para pacto social ao longo do tempo.  Por isso, observar como a ordem econômica distribui ganhos e perdas seria mister para entender as fontes de instabilidade não apenas econômicas, mas sobretudo políticas.

Para Giambiagi(2011) fenômenos como externalidades negativas, mercados incompletos, assimetria de informação, formação de carteis e monopólios são nocivos para ordem econômica pois levam a alocações subótimas dos recursos. O regulador público, quando confrontado com essas questões deve orientar o ente estatal a atender o binômio justiça e eficiência econômica. De acordo com Acemoglu (2012), quanto mais plural for a representatividade política do estado, maior a probabilidade do regulador implantar políticas econômicas inclusivas alinhando crescimento e distribuição dos ganhos gerados. Segundo ele essas instituições contrapõem-se as instituições econômicas de cunho extrativo, originadas em ambientes de baixa pluralidade política em que assimetrias de poderes econômicos invarialmente capturam as escolhas políticas. Essa captura ocorreria em benefícios de uma minoria influente e implicaria em pares subótimos de eficiência e justiça. Acemoglu conclui que democracia e pluralidade são imprescindíveis para o surgimento de instituições econômicas inclusivas. Portanto, para entender ordem econômica ideal para o um povo deve-se observar se a relação entre agentes econômicos são minimamente simétricas - toda forma de lucro abusivo persistente ao longo do tempo seria sintoma de uma ordem econômica frágil suscetível a formação de instituições extrativas.

A abordagem crítica realista de economista keynesianos combinada com  análise da economia política de Acemoglu, permite constatar que a realidade institucional será determinante para a ascensão de instituições extrativas ou inclusivas determinando assim a possibilidade da eficiente alocação dos recursos advinda da Criação Destrutiva elaborada por Schumpeter e tão cara ao espírito animal do agentes econômicos. Portanto, para o claro entendimento da ordem econômica é necessário observar as instituições herdadas pelo processo histórico e formação social das civilizações. Essa análise contribui para compreender a formação institucional das ex-colônias ibéricas – cuja natureza patrimonialista repercute até os dias atuais num capitalismo ineficiente em que grande parcela dos ganhos econômicos seriam assegurados ao mais influente em detrimento do mais eficiente.

“O capitalismo comercial, politicamente orientado, só ele compatível com a organização política estamental, sempre gradativamente burocrática, ajusta a si o direito, limita a ideologia econômica, expande-se em monopólios, privilégios e concessões. Os parceiros da jornada da África, Ásia e América se entendem e se ajudam, estabilizando a economia, nela intervindo intima e indiretamente, sob a tutela do soberano. O Brasil, de terra a explorar, converte-se, em três séculos de assimilação, no herdeiro de uma longa história, em cujo seio pulsa a revolução de Avis e a corte de D. Manuel.” (Faoro, 1977, p. 67-68) (...)

Ex-colônias de exploração em sociedades migratórias, como as latino-americanas, formaram instituições por meio da força colonizadora atraída pelo sonho do Eldorado cuja realização dependia da associação a mega-autarquia mercantil encabeçada por El-Rey. Os nexos da colonização eram os fáceis lucros do comércio levantados pela metrópole em detrimento das colônias. El-Rey e seu obediente estamento patrimonial (homens de bom sangue) gozavam de privilégios exorbitantes que lhes permitiam usufruir das riquezas extraídas de além-mar. As mesmas instituições extrativas que travavam o desenvolvimento da colônia também contribuíram para o malogro futuro das metrópoles. Portugal e Espanha, mesmo depois do ingresso na União Europeia, estão longe de alcançar a relevância geopolítica que tiveram no auge de seus territórios ultramarinos. O êxito inicial dos ibéricos em implementar o mercantilismo e superar o feudalismo vem do pacto que fundiu a nascente classe mercante com corte real, formando um autarquia patrimonialista - estamento-chave para o mercantilismo.

Se a diferença entre remédio e o veneno é a dose, as instituições patrimonialistas que irão promover criação do mercantilismo com a destruição do feudalismo, crescerão tanto que elas mesmas irão resistir a criaçao destrutiva imposta por um sistema economicamente superior ao mercantil: o capitalismo. Logo, apesar de Portugal inaugurar o sistema econômico mercantil, com a Revolução de Avis*, no século XIV, o sucesso das instituições inclusivas em introduzir um mercantilismo estatal impedirá a destruição criativa proposta por um sistema econômico superior ao mercantil, como ocorrido na Inglaterra. No fim do período colonial, Portugal dependia crescentemente da acumulação primitiva das colônias para saldar deficitário acordo de livre comércio com os ingleses (Acordo de Methuen – Panos e Vinhos). O mercantilismo tornava-se anacrônico junto ao Estado Patrimonial, de cunho absolutista, prestes a ser varrido pelas invasões napoleônicas. Hoje, na América Latina, são as instituições extrativas que garantem a Carlos Slim, dono da Telmex, monopolista de telecomunicações no México a titularidade da maior fortuna individual do mundo. No Brasil, o extrativismo institucional impede que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de punir Eike Batista por suas operações de venda no mercado de capitais sabendo de antemão da invialbidade econômica de seus empreendimentos. Mas não é só no abuso de poder econômico que se manifesta o extrativismo. Grupos de interesse ligados ao estamento burocrático no Brasil, por exemplo, logram em apropriar-se de rendas maiores que suas produtividades frente aos ganhos do setor produtivo, sejam eles carteis de empreiteiras ou mesmo sindicatos de servidores públicos que atuam em áreas estratégicas para o exercício do poder (gestores de políticas, área fazendária e atividades judiciárias) (Mendes 2014).

Portanto, os desafios para o promoção da ordem econômica nas ex-colônias ibéricas conflitam com os vícios extrativistas instituídos pelo colonizador no contexto da acumulação mercantilista. Instituições políticas pouco plurais forjam instituições econômicas extrativas, que impedem a eficiente alocação dos recursos econômicos. Nesses ambientes a inovação é inibida, na medida em que se torna mais rentável para empresa investir em lobby e influência política do que em pesquisa e desenvolvimento que assegurariam uma oferta maior a um custo menor no longo-prazo (Mendes 2014). Não era à toa, por exemplo, que a metrópole portuguesa proibia instalação de industrias em suas colônias. A persistência das instituições extrativas imputam um produto nacional subotimo no longo prazo, situação que só pode ser revertida por meio da promoção de instituições inclusivas incubadas por um processo político plural e democrático. Superá-las, portanto, asseguraria criação destrutiva força motriz da evolução material modernizadora e tão cara ao Brasil. Portanto, a formação da configuração política da ordem econômica brasileiro carece de diretrizes jurídicas que previnam a formação de instituições extrativas.

Artigo a ser publicado com Ana Paula.

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