Thursday, July 21, 2016

A montanha russa do real (Artigo)

A intensidade da valorização da moeda brasileira em 2016 trouxe novamente a taxa de câmbio para o centro do debate econômico. Líder de valorização no primeiro semestre desse ano, a moeda brasileira proporcionou ganhos para apostadores e chamou a atenção dos analistas econômicos. Apesar da surpresa, o ocorrido não é um fato isolado: a moeda brasileira está sempre entre as que mais se valorizam e desvalorizam em relação ao dólar ao longo dos ciclos cambiais. A tabela apresenta a variação em relação ao dólar de um grupo de moedas, das mais voláteis do sistema, ao longo de cinco períodos. Em todos os períodos o real está entre as três moedas que mais se valorizaram ou se desvalorizaram em relação à moeda americana. No primeiro período, que vai da estabilização da taxa de juros americana até as primeiras manifestações cambiais da crise de 2008, o real é campeão com 30% de valorização em relação ao dólar. No segundo, que compreende os meses mais agudos da crise de 2008/09, a moeda brasileira é a segunda que mais se desvaloriza, perdendo apenas para o rublo. Diante da crise, a valorização do período anterior se desfez rapidamente com uma desvalorização de 46%. Entre março de 2009 e julho de 2011, período caracterizado pelo afrouxamento monetário nos países centrais, a moeda brasileira volta a se valorizar 33% em relação ao dólar, melhor marca depois do dólar australiano e do seu vizinho neozelandês. O desafio da política cambial é complexo e exige olhar transformador sobre a institucionalidade do mercado de câmbio Já no quarto período, entre julho de 2011 e janeiro de 2016, quando os ventos da liquidez internacional sopram em direção ao porto seguro monetário, a moeda brasileira se desvaloriza impressionantes 159% (de R$ 1,56 para R$ 4,04 real/dólar) perdendo apenas para o rublo que se desvalorizou 172% no mesmo período. Por fim, nesse último semestre, a moeda brasileira foi a que mais se valorizou: 15% na comparação entre a média mensal de janeiro e a média mensal de junho. Ou seja, no campo das valorizações e desvalorizações cambiais, a moeda brasileira é campeã. Evidentemente não há nada do que se orgulhar nesse título, trata-se de uma disfunção econômica das mais graves, que merece estudo, compreensão e remédio. Uma taxa de câmbio cujos movimentos se assemelham aos de uma montanha russa em nada contribui para ajustes externos e internos da economia. Ao contrário, produz um cenário de incerteza que penaliza o planejamento econômico e o investimento produtivo. Nesse sentido, é fundamental compreender por que a moeda brasileira se valoriza mais do que outras nos períodos de alta liquidez no front internacional e se desvaloriza mais do que as outras nos períodos de crise e retração da liquidez internacional. Os fundamentos econômicos não parecem explicar o desempenho da moeda brasileira. A taxa de câmbio muitas vezes vai na contramão do equilíbrio das contas externas. Tampouco os preços de commodities, fortemente correlacionados com a taxa de câmbio, justificam esse grau de volatilidade. Não é saudável para a economia brasileira uma flutuação cambial que reproduza a volatilidade dos índices de commodities, tampouco é compreensível que essa relação seja mais intensa do que em economias mais especializadas na produção de produtos primários como Rússia, Austrália e Nova Zelândia. Nesse sentido, é preciso buscar outra explicação. No livro recém-lançado, "Taxa de câmbio e política cambial no Brasil: teoria, institucionalidade, arbitragem e especulação", de minha autoria, procura-se entender a formação da taxa de câmbio no Brasil a partir do funcionamento do mercado de câmbio brasileiro. Apontam-se duas especificidades importantes para o entendimento da dinâmica cambial. A primeira é o alto patamar da taxa de juros que torna a moeda brasileira um alvo preferencial das operações de carry trade, operação na qual se assume um passivo ou uma posição vendida na moeda de baixos juros e, simultaneamente, um ativo ou uma posição comprada na moeda de altos juros. Esses investimentos especulativos provocam uma grande procura pela moeda brasileira nos períodos de alta do ciclo de liquidez internacional, mas também geram o efeito inverso na reversão do ciclo, quando as operações de carry trade são desmontadas. Nesse contexto, enquanto o Brasil for campeão de juros altos será também atraente para os fluxos especulativos e, potencialmente, campeão de volatilidade cambial. Já a segunda particularidade refere-se à institucionalidade do mercado de câmbio brasileiro, cuja principal característica é um mercado futuro três vezes mais líquido do que o mercado à vista. O baixo grau de regulação e a facilidade de acesso dos investidores estrangeiros aos derivativos torna o mercado de câmbio brasileiro particularmente permeável à especulação financeira. Assim, de forma recorrente, a especulação no mercado futuro condiciona a volatilidade e as tendências cambiais, acentuando os movimentos da taxa de câmbio. Essa dinâmica especulativa constitui um desafio para a elaboração e implementação de políticas cambiais. Os instrumentos usuais de atuação no mercado de câmbio, como as intervenções e os swaps, reduzem a intensidade das subidas e descidas cambiais que seriam maiores com um câmbio flutuante puro. Mas, apesar de importantes, esses instrumentos não são suficientes para mitigar a volatilidade e as tendências de preços geradas pelo setor financeiro. O desafio da política cambial é, portanto, mais complexo e exige um olhar transformador sobre a atual institucionalidade do mercado de câmbio. Pedro Rossi é professor da Unicamp e autor do livro "Taxa de câmbio e política cambial no Brasil: teoria, institucionalidade, arbitragem e especulação"

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