Thursday, August 13, 2015

RMB

No final de 2015, o Fundo Monetário Internacional realizará sua revisão quinquenal de cesta de moedas que seus membros contam como referência para composição de suas reservas internacionais oficiais. Em maio próximo, o FMI iniciará discussões sobre a possibilidade de adicionar os Renminbi às quatro moedas que ele usa para compor seus Direito Especiais de Saques (DES).



Entretanto, segundo o Financial Times, o Renminbi ainda não é uma moeda conversível pré-requisito padrão de moeda de reserva. Mesmo assim, o Renminbi é a segunda moeda mais utilizada no financiamento do comércio internacional devido à participação das exportações globais da China que continuam a crescer, desde quando se tornou a maior economia exportadora do mundo, em 2007. Além disso, o CNY ultrapassou recentemente o dólar canadense, tornando-se a quinta moeda mais negociada no mundo.


Se o Renminbi se juntar a cesta DES, por definição, tornar-se-ia uma moeda de reserva. Os bancos centrais, com isso, poderiam acumular o Renminbi sem acarretar reduções em seus volumes de reservas (o Renminbi passaria a fazer parte das opções de acúmulo de reservas), assim como arranjos de Swaps em Renminbi poderiam ser somados às reservas disponíveis dos países.

Isso implicaria mudanças na ordem financeira mundial e poderia impulsionar a criação de uma zona de Renminbi para equilibrar a zona de dólares que tem dominado o sistema financeiro global desde o fim da segunda guerra. Isso não apenas reduziria os custos de financiamento para as empresas chinesas, mas ajudá-las-ia a expandirem-se no exterior, contribuindo ainda mais para a criação de uma ordem financeira Sinocêntrica.

+ Informações:


A Samsung Electronics delineou planos para iniciar negociação do Renminbi na Coréia do Sul na liquidação de operações com suas filiais na China, em uma aposta para aproveitar as oportunidades de uma internacionalização da moeda da China. Esta iniciativa ajuda a promover Seul como um centro de negociação off-shore do Renminbi, acompanhando movimentos semelhantes para Hong Kong, Londres, Frankfurt e Cingapura. Impulsionado em grande parte pelos bancos sul-coreanos e chineses que oferecem produtos de alto rendimento, depósitos denominados em Renmenbi na Coreia cresceram de $80 milhões, em 2012, para $18,6 bilhões, em fevereiro de 2015, embora apenas 1,7% do comércio entre os dois países seja liquidado na moeda chinesa. Apesar da enorme competitividade de centros como Hong Kong, Seul espera que os investidores estrangeiros sejam atraídos para o seu mercado de Renminbi na medida em que ele ganha liquidez.

Tuesday, August 11, 2015

O lugar do Brasil no sistema multilateral financeiro do século XXI: uma análise dos fatores domésticos e estruturais e seus impactos Rubens de S. Duarte1

O lugar do Brasil no sistema multilateral financeiro do século XXI: uma análise dos fatores domésticos e estruturais e seus impactos Rubens de S. Duarte1 Resumo: No início do século XXI, uma série de fatores estruturais e domésticos criaram um ambiente favorável para que o Brasil se projetasse internacionalmente na agenda financeira. Esse período foi marcado por intensa produção intelectual e reflexão sobre o papel do país no mundo, que se traduziram na busca por uma política externa autônoma e ativa. O Brasil, em articulação com outros países do Sul, apresentou propostas para os principais foros multilaterais que atuam no setor financeiro (como o Fundo Monetário Internacional, o G-20 e o Fórum de Estabilidade Financeira), assim como promoveu reformas institucionais em seu processo de tomada de decisões em política externa. Na segunda década dos anos 2000, fatores domésticos e estruturais abalaram o ambiente que proporcionara o citado período de grande ativismo na política externa brasileira. Com isso, esse artigo busca identificar quais foram os ganhos no plano interno e no multilateral conquistados nesse período, assim como indicar os principais empecilhos para que outros pleitos brasileiros não tenham sido contemplados. Palavras-chave: política externa brasileira; sistema financeiro; análise de política externa; G-20; FMI; FSF; FSB. Introdução No início do século XXI, alguns atores que tinham menos voz no cenário mundial, passaram a ter mais relevância – é o caso por exemplo, de Estados do Sul político, de instituições do setor privado e de redes e movimentos sociais (MILANI et al., 2015; MAWDSLEY, 2012; HURRELL, 2007; NARLIKAR, 2010; DEGNBOL-M. e ENGBERG-P., 2003; LANCASTER, 2007). Essa mudança ocorreu com diferentes intensidades em diversas agendas internacionais, como no regime de comércio, de cooperação para o desenvolvimento, em mudanças climáticas e em Direitos Humanos. No regime financeiro não foi diferente. 1 Rubens de S. Duarte é doutorando em Política e Estudos Internacionais na University of Birmingham (Reino Unido), Mestre em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), Bacharel em Relações Internacionais pelo IRI/PUC-Rio, Bacharel em Ciências Jurídicas pela UNIRIO e membro ativo do Laboratório de Análise Política Mundial, antena Rio (Labmduno-Rio). Todas as imagens neste artigo são de produção própria, feitas no âmbito do Ateliê de Cartografia do Labmundo, vinculado ao IESP/UERJ, sob coordenação do Dr Carlos R. S. Milani. Em um primeiro momento, os impactos da crise financeira de 2008 foram mais sentidos pelos países do Norte, o que criou dúvidas sobre a credibilidade das normas internacionais existentes por eles criadas (DOCTOR, 2015). Por sua vez, a emergência de países do Sul global (como o Brasil, a Índia, a África do Sul, a Turquia e, sobretudo, a China) contribuiu para uma redistribuição de poder mundial não desprezível (MILANI et al., 2015). Os pleitos históricos por reformas no sistema internacional que permitisse maior pluralidade na elaboração das normas foram legitimados (BRANCO et al., 2012). Somado ao relaxamento restrições sistêmicas sobre a atuação dos países emergentes, o cenário político e econômico brasileiro no início do milênio também contribuiu positivamente para o aumento de autonomia em sua política externa. A estabilização macroeconômica na década de 1990, assim como a equalização da dívida externa, o aumento do preço das commodities e a vitória eleitoral de um partido de esquerda no século XXI colaboraram para o aumento de recursos materiais, políticos e simbólicos do país, que foram usados na implementação de uma política externa mais autônoma também na agenda financeira (MARIGONI et al., 2014). A diplomacia presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva e sua relação com o Chanceler Celso Amorim fortaleceram o momento de grande reflexão do papel do Brasil no mundo (LIMA e DUARTE, 2013). A combinação dos ambientes internacional e doméstico favoráveis influenciou diretamente a postura brasileira em foros internacionais (como no Fundo Monetário Internacional e no G- 20), bem como o jogo político de formulação da política externa. O governo brasileiro entendeu que era momento de dar ênfase ao âmbito multilateral financeiro. A fim de viabilizar e fortalecer essa opção pelo multilateralismo, o governo brasileiro buscou articular-se com outros países emergentes (LIMA, 2005; SARAIVA, 2007) e fazer reformas institucionais no funcionamento dos órgãos (DUARTE, 2013). Entretanto, a segunda década do milênio, foi acompanhada da reversão desse momento favorável, tanto no cenário doméstico quanto no sistêmico. Essa nova realidade provocou uma mudança de estratégia do governo brasileiro em sua política externa. Todavia, faz-se importante analisar quais foram os reais ganhos (políticos, econômicos, institucionais e simbólicos) do Brasil, no século XXI, assim como debater a estratégia da política externa brasileira diante do cenário adverso da segunda década do milênio. Este artigo não se propõe a fazer um estudo detalhado da posição brasileira nos diversos foros internacionais sobre temas financeiros, mas busca um debate mais amplo sobre a estratégia do governo brasileiro no sistema financeiro e os fatores que a influenciam. A argumentação é no sentido de que o governo brasileiro decidiu aproveitar o momento favorável do início do século e dar ênfase às ações no âmbito multilateral, mas, diante da dificuldade de manter a estratégia escolhida, a política externa passou a favorecer outros tabuleiros, sem prejuízo dos avanços que obteve no multilateralismo. Para cumprir esse objetivo, este artigo é dividido em três partes, além da introdução: 1- a descrição do cenário internacional no imediato pós-crise e o debate sobre a opção brasileira pelo multilateralismo; 2- a apresentação dos fatores sistêmicos e domésticos que levam à retração dos incentivos ao multilateralismo e a consequente mudança de ênfase; e 3- comentários finais. O artigo é baseado na revisão bibliográfica sobre o tema, na análise de documentos oficiais, assim como em entrevistas com funcionários do Ministério das Relações Exteriores, do Banco Central do Brasil e do Ministério da Fazenda (Anexo I). Todas as entrevistas foram conduzidas pelo autor em duas ocasiões: 1- em 2012 e em 2013 no âmbito da pesquisa de Mestrado;2 e 2- em maio de 2015, para a produção deste artigo. Todavia, alguns entrevistados solicitaram anonimato. O imediato pós-crise e a opção pelo multilateralismo O foco dessa seção é a análise política das primeiras consequências e respostas dos países à crise financeira de 2008, assim como dos fatores que motivaram a escolha do governo brasileiro pela ênfase no âmbito multilateral. Entretanto, este artigo não se propõe a fazer um debate técnico sobre esse tema, o que exigiria esforço que o espaço não permite, mas prioriza uma análise política desses fatores. A crise financeira de 2008, diferentemente de outras anteriores, teve sua origem no global shadow banking system, denominado mercado paralelo, em português. O mercado paralelo é formado por diversas instituições financeiras (como bancos de investimento, seguradoras e outros agentes financeiros) que não eram contemplados pelo acordo de Basiléia II, que representava as normas de supervisão bancária na época (CORAZZA, 2005). Basileia II foi criado com base no princípio neoliberal da autorregulação, que defendia que as instituições financeiras seriam os atores mais apropriados para monitorarem a si mesmos e as operações financeiras, criando um sistema em que os atores financeiros eram seus próprios juízes (CARVALHO e SANTOS, 2008). As primeiras respostas dos governos para a crise foram no âmbito doméstico, no sentido de devolver liquidez e confiança ao mercado, aquecendo a demanda e evitando a evasão fiscal (FARHI e CINTRA, 2009). Os governos de vários países lançaram pacotes de ajuda e, em caráter inédito, contemplaram agentes do mercado paralelo. Entre diversas ações para evitar a evasão fiscal, uma das medidas que mais impactou no cenário internacional foi o pacote doméstico estadunidense (mas com efeitos extraterritoriais) chamado Hiring Incentives to Restore Employment Act. Apesar de importantes, as medidas unilaterais não seriam suficientes para devolver liquidez e confiança para o sistema financeiro. As normas internacionais estavam diante de uma crise de legitimidade (STUENKEL, 2013). A quebra do Lehman Brothers demonstrou a insuficiência das normas internacionais para o setor financeiro para evitar a crise. Os países do Norte, que tiveram participação significativa na elaboração dessas normas, eram os mais atingidos pelos efeitos da 2 Dissertação defendida em março de 2013 para a obtenção do título de Mestre em Ciência política, no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), orientada pela Drª Maria Regina Soares de Lima e intitulada Repolitizando a política externa financeira: uma análise da formulação da política externa brasileira para o setor financeiro pós 2008. crise. Os países emergentes, que historicamente demandavam a reforma das instituições financeiras, foram menos atingidos em um primeiro momento. Diante desse cenário, os Estados avaliaram que era necessário intensificar o debate sobre temas financeiros, dialogando com outros países do Sul (DOCTOR, 2015; BRANCO et al., 2012). Diante da crise de legitimidade dos países do Norte, do fortalecimento dos países emergentes e do momento doméstico favorável após a estabilização macroeconômica e equalização da dívida externa, o governo brasileiro avaliou que seria o momento oportuno para enfatizar sua ação no âmbito multilateral. Havia o entendimento de que o Brasil, ao invés de contorná-las, deveria apostar na reforma das instituições multilaterais existentes. A busca pela reforma do processo decisório nos foros internacionais, de modo a trazer maior pluralidade e representatividade para as instituições, é uma bandeira antiga dos países do Sul, estando presente, por exemplo, no G-77, no Movimento dos Não Alinhados, na proposta para uma Nova Ordem Econômica Internacional e no Livro Azul do G-24 (MILANI e DUARTE, 2015; VIEIRA, 2012; LIMA, 2005). A opção de enfatizar o tabuleiro multilateral pode ser explicada por diversos fatores. Em primeiro lugar, há, segundo a narrativa oficial do Itamaraty, o gosto brasileiro pelo multilateralismo (AMORIM, 2011). As negociações multilaterais têm o potencial de gerar maior impacto positivo no desenvolvimento mundial e, particularmente, do Brasil, devido a diversidade das suas relações internacionais em termos setoriais e geográficos (BRANCO et al., 2012). Se eficaz, a busca pelo governo brasileiro da reforma do processo decisório pode colocar o Brasil na mesa de negociações sobre as normas internacionais. A participação brasileira nesses foros, além de criar um canal formal para que o Brasil defenda seus interesses nessas instituições internacionais, também gera capital simbólico. Ao aumentar a participação nesses foros, além do ganho em seu poder de voto, há o prestígio de sentar ao lado das maiores potências mundiais e ser reconhecido como um país responsável por eles (DOCTOR, 2015). Era, portanto, o momento para o Brasil fortalecer a busca pela reforma das instituições multilaterais financeiras, a fim de reduzir a superrepresentação dos países do Norte. Diante da opção pelo multilateralismo, era necessário reformar as instituições domésticas, a fim de viabilizar uma repolitização da política externa brasileira (DUARTE, 2013). Ao longo décadas de 1980 e 1990 a política externa para o setor financeiro encontrava fortes restrições sistêmicas. No cenário internacional, a ideologia neoliberal ganhava força, com os planos de ajuste estrutural. No âmbito doméstico, a crise da dívida e a alta inflação fizeram o governo brasileiro buscar auxílio financeiro internacional. Nesse período, a política externa brasileira para o setor financeiro tinha como principal função a negociação dos pacotes de compromisso internacional diante da necessidade brasileira de financiamento e recuperação econômica. Na medida em que o país passava por tamanhas dificuldades, havia pouco espaço e legitimidade para demandar maior participação do país nos foros internacionais. Com isso, atores que tinham maior domínio dos termos técnicos e capacidade de negociar esses assuntos eram privilegiados na formulação da política externa. A Secretaria de Assuntos Internacionais (SAIN) do Ministério da Fazenda e o Departamento de Assuntos Internacionais (DERIN) do Banco Central ganharam espaço na formulação da política externa, em detrimento do Itamaraty. Diante da oportunidade de repolitizar a política externa brasileira no século XXI, o Ministério das Relações Exteriores voltou a ganhar espaço em temas financeiros, para que ele incorporasse à postura brasileira uma dimensão política, que fosse capaz de repensar o papel do Brasil nas instituições do referido regime. O Departamento de Assuntos Financeiros e Serviços (DFIN) foi criado em 2010, por meio de uma ampliação de uma coordenação-geral dentro do Itamaraty.3 Ainda que não exista clara divisão de funções ou uma instituição que promova o diálogo entre os três órgãos públicos citados, o DFIN passou a ser o departamento do Itamaraty responsável por formular a política externa brasileira para o setor financeiro, em conjunto com a SAIN e com o DERIN (DUARTE, 2013). A elevação do G-20 a um foro de cúpula, em 2008, foi recebido com entusiasmo pelo governo brasileiro. Desde sua criação, em 1999, o Brasil faz parte do G-20, que foi pensado como um foro para que ministros da fazenda e presidentes de banco central dialogassem sobre temas financeiros. Na declaração final de Pittsburgh, em 2009, os países do G-20 determinaram que aquele grupo seria o principal foro de discussões para assuntos de cooperação econômica. Com isso, não apenas o Brasil estaria presente no foro, mas também estariam representados outros parceiros do Sul, como a China, a Rússia, a Índia e a África do Sul (STUENKEL, 2013). Por meio do G-20, o Brasil, em articulação com outros países do Sul, poderia pressionar pela reforma de outras instituições. Um dos principais objetivos do Brasil e de seus parceiros era a reforma do sistema de quotas do Fundo Monetário Internacional (FMI). No entender do Brasil, as reformas poder decisório do FMI ao longo do tempo não acompanharam as mudanças no cenário econômico, político e social que ocorreram no pósSegunda Guerra Mundial (imagem 1). Alguns países, principalmente os europeus, têm poder de voto que não condiz com o peso no cenário internacional, enquanto que os países emergentes estão subrepresentados. O Brasil e outros países emergentes aumentaram os aportes ao FMI e forcaram a negociação de uma nova reforma sobre as cotas, que diminuísse o déficit de representação dos países do Sul. 3 De acordo com a organização institucional do Ministério das Relações Exteriores, os Departamentos estão em um nível hierárquico superior às Coordenações-Gerais. Durante a reunião do G-20 em Londres, em 2009, foi criado o Financial Stability Board (FSB), em substituição ao Financial Stability Forum (FSF). O FSB foi criado para, em conjunto com o FMI, monitorar o sistema financeiro internacional, assim como sugerir a criação de novos mecanismos para manter o bom funcionamento dos mecanismos de supervisão. Todavia, a mudança mais significativa não foi em relação à função do FSB, mas quanto a sua composição, que passava a incluir todos os países do G-20. Também a partir de 2009, o Brasil passou a integrar com direito a voto o Comitê sobre Mercados no âmbito do Banco de Compensações Internacionais e o Comitê sobre Sistema Financeiro Global, ambos atuando na monitoração e supervisão do mercado financeiro. O período imediato após a crise de 2008 representou um momento de perda de credibilidade das normas financeiras internacionais, assim como de fortalecimento da legitimidade do Brasil devido a fatores domésticos e sistêmicos. As respostas para a crise financeira ocorreram tanto a nível nacional e multilateral, devido ao entendimento de que era preciso incluir novos atores nos debates sobre a agenda financeira, para devolver confiança ao mercado. Para aproveitar o momento oportuno, o governo brasileiro decidiu dar ênfase no tabuleiro multilateral. Esse período e a aposta brasileira no multilateralismo rendeu frutos: o Brasil integrou diversos foros internacionais, incentivou debates sobre a reforma do poder decisório (principalmente no FMI) e re-estruturou a burocracia estatal para a formulação da política externa brasileira. A criação do DFIN foi fundamental no refortalecimento da dimensão política no discurso brasileiro no setor financeiro internacional. A próxima seção debate o cenário internacional e doméstico da segunda década do século XXI, assim como a resposta da política externa brasileira para esse novo cenário. A reversão do cenário e a mudança de ênfase A segunda década do século XXI apresentou mudança significativa no cenário internacional e no âmbito doméstico brasileiro. Esses fatores enfraqueceram os debates sobre a reforma das instituições internacionais, diminuindo a capacidade dos países do Sul, inclusive do Brasil, de influenciar nas decisões internacionais. Esta seção debate os avanços conquistados no início do século XXI, assim como a mudança de estratégia da política externa brasileira diante de um cenário com menos incentivos ao multilateralismo. Marta Castello Branco (2013a) identifica seis principais fatores para que o G-20 não tenha atingido seus objetivos iniciais e expectativas. Expandindo a análise para o sistema financeiro em geral é possível identificar outros fatores adicionais que podem ser resumidos em cinco tópicos: 1- falta de consenso em tópicos importantes e de longo-prazo; 2- postura conservadora dos países do Norte em abrir mão do seu poder institucional estabelecido; 3- falta de poder coercitivo das instituições internacionais no setor financeiro; 4- eventos internacionais em outras agendas que mudaram o jogo político; e 5- diferentes níveis de crescimento e recuperação econômica. Mesmo no período imediatamente pós crise, os debates sobre as medidas a serem tomadas no multilateralismo esbarraram no conflito entre opiniões diferentes. No G-20, havia a posição liderada pela Alemanha, favorável à austeridade, a representada pelos Estados Unidos, que defendia o crescimento com moderados incentivos governamentais, e a dos países emergentes, com o crescimento por meio de um pensamento não liberal (BRANCO, 2013a). Com isso, grande parte das medidas que foram levadas a diante eram de curto-prazo. Algo semelhante ocorreu no FSB, em que somente avançaram os temas em que havia certa harmonia de proposta diante do reconhecimento de que o sistema financeiro é global e interconectado (FARHI, 2011). A crise financeira de 2008 demonstrou a necessidade evidente de aumentar as reservas obrigatórias para os bancos universais, assim como monitorar e regular a ação do mercado paralelo. Consequentemente, medidas nesse sentido foram aprovadas, ao contrário de projetos mais ambiciosos como taxar operações de câmbio ou criar maior controle sobre os hedge funds. Além da falta de consenso sobre temas relevantes, as reformas também esbarraram na postura conservadora dos países do Norte. A demora do Congresso estadunidense em aprovar a reforma das quotas do FMI, aprovada em 2010, pode ser considerada simbólica nesse sentido.4 O re-fortalecimento do G-7 também pode ser citado como exemplo dessa resistência dos países do Norte em tornar as discussões sobre a agenda internacional mais plurais e participativas. Após um período no início do século XXI em que alguns debates foram levados ao G-8 ampliado (com a participação de países emergentes na qualidade de convidados) e da posterior elevação do G-20 a foro de cúpula (com a participação de países do Sul na qualidade de membros efetivos), o G-7 representa a volta a um estágio menos plural. O terceiro fator relevante para que as instituições internacionais não tenham aprofundado as reformas é a natureza institucional. As instituições do setor financeiro não têm poder coercitivo (BRANCO, 2013a). Muitas decisões tomadas nos foros internacionais são recomendações ou acordo entre os membros, 4 O Congresso estadunidense não aprovou a reforma até o momento em que este artigo foi escrito, em 30 de maio de 2015. com prazos longos para a adequação. Some-se a isso a informalidade do G-20. Diferentemente de outras instituições, como o FMI, Banco Mundial e o FSB, o G-20 não é uma organização formal, não tem sede, não tem tratado constitutivo e, consequentemente, não é uma pessoa jurídica de Direito Internacional. Os temas a serem discutidos no G-20 variam de acordo com os interesses e empenho do país que ocupa a presidência rotativa (VIANA e CINTRA, 2010). O cenário político mundial também mudou significativamente devido a fatores externos da agenda financeira, que interferiram nas relações entre países relevantes nas relações internacionais. A crise na Síria afetou diretamente as discussões na cúpula do G-20 em St. Petersburg. Com o desconforto político causado pelas divergências quanto à condução da questão síria, temas econômicos, como a crise na Zona do Euro, ficaram em segundo plano. A reunião de 2013 se resumiu a tratar de temas como crescimento econômico e evasão fiscal (BRANCO, 2013b). A interferência de assuntos de outras agendas nos foros financeiros voltou a se repetir em 2014. A instabilidade na Ucrânia criou um conflito entre a Rússia e a Europa, esta apoiada pelos Estados Unidos. A Austrália, que ocupava a presidência rotativa do G-20, ameaçou banir a participação do presidente russo Vladmir Putin e, eventualmente, da Rússia.5 Com isso, os países emergentes, que em alguns temas contam com a Rússia como aliada nos foros multilaterais, tiveram que se mobilizar para contrapor essa proposta australiana, ao invés de focar na articulação de propostas no setor financeiro. Com o isolamento político da Rússia, os países emergentes perderam capital político dentro dos foros financeiros. Somado a isso, o enfraquecimento dos países emergentes também foi causado por motivos econômicos. Com a recuperação econômica, o G-20 perdeu protagonismo. Além disso, as velocidades diferentes de recuperação econômica geram poucos incentivos para a disposição dos países em cooperarem (BRANCO, 2013a). Algumas economias de países do Norte, como dos Estados Unidos e Reino Unido voltaram ao patamar anterior ao antes da crise de 2008. Outros casos apresentam a situação oposta, como é o da Grécia, ainda estão em circunstâncias críticas. O mesmo raciocínio pode ser aplicado no caso dos países emergentes, que começaram a sentir com maior intensidade os efeitos da crise, sendo que alguns menos (como é o caso da China e da Índia) e outros mais (como o Brasil). A lógica6 por trás desse argumento é baseada na percepção de que os países, quando estão passando por dificuldades, tendem a buscar soluções em conjunto. Todavia, quando a situação crítica é superada, a vontade de cooperar também diminui. A economia brasileira, principalmente a partir de 2013, enfrenta dificuldades diante dos impactos da crise mundial. Esse fator é agravado com a queda no preço das commodities, afetando o superávit comercial 5 SMYTH, Jamie (2014) “Australia threatens Russian president Vladimir Putin with G20 summit ban” in Financial Times. Disponível em acessado em 24/05/2015. 6 Argumento também presente em entrevistas feitas em maio de 2015 com diplomatas que trabalham com assuntos relacionados ao G-20. brasileiro, alcançado principalmente no final da primeira década do século XXI. Diante do cenário econômico adverso, a Presidente Dilma Rousseff anunciou em 22 de maio de 2015 cortes no Orçamento, que representam o maior corte nominal feito na história do governo brasileiro. As restrições sistêmicas na segunda década do século XXI são mais rígidas do que as verificadas na década anterior. Além disso, a situação da economia doméstica e o corte orçamentário também reduz a capacidade de atuação autônoma do Brasil no exterior. Diante de cenários doméstico e internacional diferentes, é necessário reavaliar as prioridades e estratégias, de acordo com o que é possível fazer com recursos escassos. Isso não significa que a política externa deixou de ser ativa, mas somente o entendimento de que o ambiente que incentivava a ênfase brasileira no cenário internacional não é o mesmo. A diferença de perfil entre o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua sucessora em promover diplomacia presidencial deve ser considerada. Todavia, é difícil quantificar quão significativo é esse fator, visto que as restrições externas são significativamente diversas no período de cada governo. Deve-se levar em conta que os outros países emergentes (como a China, a Índia e a África do Sul) também não vêm se destacando no cenário multilateral, o que sugere que não foi somente no ambiente doméstico brasileiro em que houve mudanças. Deve-se considerar que existiu no início do século XXI um momento propício para pressionar por reformas no sistema decisório internacional, mas essa janela de oportunidade passou, assim como o período de forte crescimento econômico nacional. Diante de cenários diferentes e de possibilidades reduzidas, é natural que a estratégia adotada pelo governo brasileiro seja repensada. Com menos incentivos no âmbito multilateral global, o governo brasileiro passa a dar ênfase a outros tabuleiros, como a articulação inter-regional e negociações bilaterais. No âmbito inter-regional, deve se destacar o relacionamento do Brasil com os demais países que formam o grupo BRICS. Os países que integram os BRICS têm capacidades, características, trajetórias e interesses heterogêneos (como, por exemplo, modelo econômico, organização política, matriz energética, composição da pauta de exportação, crescimento econômico e poder militar), mas encontraram um ponto em comum na busca pela reforma do poder decisório das instituições internacionais, de modo a conquistar maior protagonismo político (MILANI et al., 2015). As discussões sobre a criação de um banco de desenvolvimento dos BRICS, que já vinham sendo discutidas, tomaram maior corpo na cúpula de Durban, em 2013 (ABDENUR e FOLLY, 2015). O Banco de Desenvolvimento dos BRICS (BNB) foi apresentado pela diplomacia brasileira como um mecanismo complementar às instituições de fomento existentes, como o Banco Mundial e o FMI.7 Apesar da narrativa oficial, a criação do BNB demonstra clara insatisfação do grupo com as instituições existentes a ponto de criaram novas instituições (MILANI et al., 2015). Quando os interesses dos atores estão contemplados pelas 7 Fonte: sítio web do Itamaraty. Disponível em acessado em 25/05/2015. normas existentes, há pouco incentivo para que criem alternativas a elas. Os documentos assinados na VI Cúpula de Chefes de Estado e de Governo do BRICS,8 podem conter sinais de que o BNB, apesar de seu estágio inicial, foi criado com o intuito de formar instituições robustas. O documento constitutivo do BNB9 disciplina que o banco exercerá a função de fomento a projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável entre os BRICS e em outros países por meio da cooperação Sul-Sul. Com isso, o BNB exercerá uma função semelhante ao do Banco Mundial. A criação do BNB foi bastante celebrada e ganhou notoriedade, mas não foi o único arranjo importante para o setor financeiro na cúpula dos BRICS. Os países também deliberaram sobre o Arranjo Contingente de Reservas (CRA), que é uma instituição para prestar auxílio monetário de curto prazo a países com dificuldades em suas balanças de pagamentos.10 Se o BNB tem função semelhante ao do Banco Mundial, o CRA, por sua vez, foi criado com propósitos análogos aos do FMI. Também merece atenção a assinatura do Memorando de Entendimento sobre Cooperação entre Agências de Seguro de Crédito à Exportação do BRICS.11 O memorando de entendimento não apenas prevê o diálogo e projetos conjuntos das agências nacionais12 no âmbito de concessão de crédito para a exportação, mas também prevê a concertação política em debates internacionais sobre o tema. Os documentos assinados na VI Cúpula dos BRICS podem dar origem a uma densa rede de instituições financeiras controlada pelos BRICS. Ainda que exista forte assimetria entre os países dos BRICS (e, portanto, diferentes níveis de influência nas decisões dessas instituições), o fator a ser levado em conta é que o Brasil faz parte de um movimento para criar alternativas ao sistema internacional existente trancamento da pauta de reformas. Além do tabuleiro inter-regional, o governo brasileiro também passou a dar mais ênfase a negociações bilaterais. O Itamaraty, por meio do DFIN, negocia a assinatura de Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI). Os três primeiros acordos a serem assinados foram com 8 Ocorrida entre 14 e 16 julho de 2014 em Fortaleza e em Brasília. 9 Documento constitutivo disponível no sítio web do Itamaraty em acessado em 25/05/2015. 10 Artigo 1° do documento constitutivo disponível no sítio web do Itamaraty em acessado em 25/05/2015. 11 Memorando disponível no sítio web do Itamaraty em acessado em 25/05/2015. 12 Assinaram o documento a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S.A; a OJSC Russian Agency for Export Credit and Investment Insurance (EXIAR); a Export Credit Guarantee Corporation of India Limited (ECGC); a China Export & Credit Insurance Corporation (SINOSURE); e a Export Credit Insurance Corporation of South Africa SOC Ltd (ECIC). Moçambique,13 em 30 de março de 2015; com Angola,14 em 1° de abril de 2015; e com o México,15 em 26 de maio de 2015. Segundo entrevistados no DFIN, estão sendo negociados outros acordos semelhantes com países da América Latina e da África,16 sendo que a expectativa é que seja assinado ao menos um total de dez acordos até 2018. A partir de uma nota conceitual do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior em 2012 (e, portanto, já no governo da Presidente Dilma Rousseff), o modelo de ACFI foi criado por meio de diálogos informais entre o Itamaraty, Ministério da Fazenda e do Banco Central, com consultas ao setor privado (ONGs, redes e movimentos não foram consultadas). O debate sobre o modelo do ACFI representa a retomada pelo governo brasileiro da ênfase em acordos de investimentos, uma vez que nenhum dos 14 acordos Promoção e Proteção de Investimentos (APPIs) assinados pelo Brasil foram aprovados pelo Congresso Nacional.17 Além da maior ênfase em negociações bilaterais, o modelo do ACFI representa um contraponto normativo e simbólico ao modelo de investimento defendido pela OCDE (os citados APPIs). Segundo a narrativa oficial brasileira, o modelo desenvolvido pelo governo Brasileiro reflete as reservas históricas quanto a acordos que poderiam reduzir a capacidade do Brasil de legislar, ferindo a soberania. A crítica brasileira a esse modelo de proteção a investimentos pode ser verificada, por exemplo, nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas (MILANI et al., 2015; AMÂNCIO, 2003). Segundo o discurso oficial, o modelo de ACFI foi pensado de modo a não ferir a soberania e ser flexível suficiente, a fim de adaptar-se de acordo com as particularidades do parceiro. Com isso, os acordos preveem cláusulas normativas tradicionais (como cláusulas sobre tratamento nacional, sobre nação mais favorecida e sobre compensação sobre expropriação de investimento), mas não contemplam a cláusulas de expropriação indireta.18 Além disso, o modelo de ACFI prevê a criação de mecanismos intergovernamentais de diálogo, para além de medidas arbitrais de solução de controvérsias, de modo a privilegiar o diálogo em detrimento 13 Notícia disponível no sítio web do Itamaraty em acessado em 25/05/2015. 14 Notícia disponível no sítio web do Itamaraty em acessado em 25/05/2015. 15 Notícia disponível no sítio web do Itamaraty em acessado em 01/06/2015. 16 O governo brasileiro concluiu as negociações sobre um novo acordo de investimentos com Malaui, que aguarda assinatura. O Itamaraty ainda negocia com a África do Sul, a Argélia, o Chile, a Colômbia, o Marrocos, o Peru e a Tunísia. 17 Fonte: sítio web do MDIC. Disponível em acessado em 25/05/2015. 18 Cláusulas de expropriação indireta são frequentemente usadas por empresas para processar o Estado, quando se sentem lesadas diante de algum ato governamental que não seja a expropriação direta. Por exemplo, empresas que se sentem lesadas com revogação de licenças para exercer sua função; revogação de concessões de exploração de determinado serviço; proibição de importação de materiais considerados nocivos, mas que são insumos importantes para a determinada empresa; e novas regulamentações ambientais que podem tornar a atividade das empresas menos lucrativa. do litígio. Por fim, como o próprio nome do acordo revela, há uma dimensão forte de cooperação entre o Brasil e os demais países. O ACFI busca identificar no diálogo com o país parceiro quais são os temas que demandam maior investimento e criar condições propícias para incentivar investimentos o desenvolvimento do parceiro. Essa movimentação brasileira no âmbito inter-regional e bilateral comprova que o governo brasileiro não está inerte no cenário internacional. Com a mudança do cenário doméstico e sistêmico e a consequente escassez de capacidades para adotar uma política externa autônoma e proeminente, o governo brasileiro concluiu que era necessário buscar alternativas ao âmbito multilateral. Com isso, enfatizou sua participação na assinatura de acordos de facilitação de investimentos, assim como na criação de instituições financeiras inter-regionais. Há, também, um caráter político e simbólico, em que o governo brasileiro envia uma mensagem não escrita para os seus parceiros na cooperação Sul-Sul e, também, para os países do Norte, demonstrando os princípios que o Brasil valoriza (como respeito à soberania, solidariedade e direito ao desenvolvimento). Essas ações, além de um ponto político e simbólico ao criar novas normas e instituições baseadas em princípios da cooperação Sul-Sul, também têm caráter econômico estratégico. Esse arcabouço institucional garante recursos e segurança para a internacionalização do capital brasileiro, dando suporte a empresas brasileiras para promoverem negócios internacionais. É importante ressaltar que, apesar da reversão do cenário internacional e a consequente mudança de estratégia do governo brasileiro, os ganhos obtidos na primeira década do século XXI não foram desprezíveis nem revertidos. As instituições internacionais no setor financeiro continuam sendo influenciadas pelas potências do Norte, assim como os países emergentes continuam sendo subrepresentados. A recusa do congresso estadunidense em aprovar a revisão das quotas do FMI pode ser usada como um exemplo disso. O refortalecimento do G-7 e o enfraquecimento do G-20 também denota que as reformas nas instituições não atenderam às expectativas brasileiras. Todavia, houve avanços institucionais. Ainda que as instituições estejam enfraquecidas e muitas negociações travadas, o Brasil fortaleceu seu direito de estar presente e votar nos foros financeiros internacionais. É possível argumentar no sentido de que sistema financeiro, apesar de continuar não sendo democrático, passou a ser mais plural (imagem 2). As burocracias brasileiras, que não participavam entusiasticamente dos diálogos no setor financeiro, passam a adquirir mais experiência em negociações internacionais, que pode ser usada em outras oportunidades. Além dos avanços nas organizações multilaterais, a reforma da burocracia brasileira também criou ganhos, que não foram revertidos na segunda década do século XXI. A criação do DFIN consolidou a dimensão política na postura brasileira na agenda financeira, que estava enfraquecida devido à preferência por atores que dominassem termos técnicos. Essa mudança institucional na burocracia brasileira permitiu que o Itamaraty fosse um dos principais atores na criação e na negociação de acordos de cooperação e facilitação de investimentos com outros países. Considerações finais A política externa brasileira para o setor financeiro no século XXI pode ser dividida em dois momentos que refletiram estratégias brasileiras distintas. A primeira década foi caracterizada pelo bom momento da economia nacional brasileira. Entre outros fatores que influenciaram o cenário doméstico brasileiro, pode-se citar a estabilização macroeconômica, a equalização da dívida externa e a alta no preço internacional das commodities. No plano internacional, os países do Sul emergiam economicamente e politicamente, o que permitiu que voltassem à tona os debates sobre a necessidade de reforma do poder decisório das instituições internacionais. Esse tradicional pleito dos países do Sul ganhou força diante da queda de legitimidade das normas internacionais, causada pela crise financeira de 2008. Diante de um cenário de aumento das capacidades nacionais e de relaxamento das restrições sistêmicas, o governo Brasileiro avaliou que aquele era o momento propício para articular-se com outros países emergentes e pressionar por reformas nas instituições internacionais. Essa decisão de enfatizar a ação no âmbito multilateral foi conservada até o momento em que as mudanças nos cenários doméstico e sistêmico diminuíram os incentivos para a manutenção da estratégia. Diante dos novos fatores e das possibilidades do governo brasileiro, a política externa brasileira passou a enfatizar outros meios, como o inter-regional e o bilateral. Em vista dessa análise, devem ser desmitificados dois pontos que uma análise mais prematura pode sugerir. Argumenta-se aqui contrariamente à existência de uma paralisia da política externa brasileira na segunda década do século XXI. A conjuntura alterou e, consequentemente, a capacidade brasileira de implementar uma política externa ativa e altiva foi reduzida. Somado a esse fato, a diplomacia presidencial também passou a ser menos frequente, o que tira temas internacionais dos holofotes. Todavia, a política externa continua sendo feita dentro do Itamaraty e de outras instituições da burocracia brasileira, como pode ser verificado na elaboração e negociação do modelo de ACFI, bem como na participação em novas instituições internacionais, como o BNB e o CRA. O segundo ponto que deve ser afastado é de que a opção pela ênfase no plano multilateral não rendeu frutos. Pode-se argumentar no sentido de que esses ganhos foram aquém das expectativas e dos interesses de alguns atores brasileiros, mas houve ganhos políticos, institucionais e simbólicos, que não foram revertidos na segunda década do século XXI. Essa variação de estratégias não significa que o Brasil perdeu interesse no multilateralismo, somente revela que o governo brasileiro avaliou que seria necessário buscar seus objetivos por outros meios. O próprio G-20 perdeu protagonismo e importância no sistema financeiro, principalmente diante da recuperação econômica de alguns países do Norte e do surgimento de outros temas (Síria, Ucrânia, Ebola, etc.). Apesar de importantes, essas outras agendas concorrem com temas econômicos nas discussões do G- 20. Se diversos temas passam a ter alta prioridade, consequentemente todos deixam de ser proeminentes. Considerando o fortalecimento das restrições sistêmicas, deve-se questionar, portanto, qual é o peso do governo Dilma Rousseff tem nessa mudança de estratégia. O Brasil não foi o único país emergente que atua com menor entusiasmo nos foros multilaterais financeiros a partir da segunda década do século XXI. É possível que mudanças dentro do governo também expliquem a variação da postura internacional desses países, mas o ponto em comum é o fator sistêmico. A demanda pela reforma do processo decisório do sistema financeiro internacional continua sendo feita, por meio de contrapontos políticos e simbólicos presentes na criação de novas instituições internacionais e modelos de acordo. Para futura reflexão, cabe discutir esses dois padrões de comportamento. Diante de ambientes doméstico e sistêmicos favoráveis, o governo brasileiro retomou as bases da Política Externa Independente e do Pragmatismo Responsável: busca de autonomia e de uma política externa ativa e altiva, por meio do uso das capacidades nacionais e da cooperação com outros países do Sul. Depois desses períodos de grande protagonismo, a política externa brasileira perdeu recursos e margem de manobra diante de ambientes políticos e econômicos adversos. O segundo governo de Dilma Rousseff e um maior distanciamento histórico serão importantes para analisar o período. Todavia, é possível argumentar no sentido de que a mudança de tabuleiro ocorrida no tema financeiro na segunda década do século XXI não é uma ruptura com os princípios basilares do período antecedente. Pelo contrário, a articulação com outros países do Sul continua forte, assim como a criação de contrapontos simbólicos e políticos com as normas existentes criadas pelos países do Norte. Todavia, recentes acordos com a OCDE também podem sugerir uma retomada da ênfase na relação com a Europa e os EUA. Este artigo, portanto, busca contribuir com a análise geral do papel do Brasil no sistema multilateral financeiro. Não se buscou aqui uma análise técnica sobre a posição brasileira em cada foro internacional na agenda financeira que faz parte, como o G-20, FMI, Banco Mundial, BNB e FSB. Entretanto, esse tema pode ser objeto de futuras pesquisas, que dialogariam no campo da ação dos atores domésticos na formulação da política externa para o setor financeiro (DUARTE, 2013). 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The Boom and the Bubble: The US in the World EconomyThe Boom and the Bubble: The US in the World Economy by Robert Brenner
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A evolução do sistema economico global desde de o surgimento de BWS tem sido marcada por disputas políticas e econômicas. Com a restauração das economias Europeias e Japonesas o pacto de cooperação econômica dos anos dourados chegava ao limite. O questionamento do USD por economias com uma base industrial mais nova e portanto mais produtiva que o parque industrial americano, gera crescentes desequilíbrios comerciais contra os EUA. O sistema BW pavimentou o caminho para consolidação do sistema financeiro americano globalmente. Um dólar fortalecido contribuiu para o desenvolvimento do setor de não-manufaturados americano prejudicando o setor manufatureiro cuja a produtividade caia frente a ascensão industrial de Japão e Alemanha. Após o Acordo de Plaza as moedas desses países, em especial o Japão, são levados a uma valorização o que compromete o dinamismo do setor manufatureiro, induzindo o Japão a uma bolha e exportação de capitais sobretudo para o Leste Asiático. Com a Crise do México em 1994 os EUA são obrigados a interromper a desvalorização do USD e a partir de 1995 os EUA voltam a permitir valorização do USD. Isso é prejudicial para economias asiáticas cujas moedas estavam pegged ao USD, países como Thailand verão seus investimentos manufatureiros caírem dando lugar a especulação imobiliária e finalmente a Crise de 1997. Mesmo com a Crise da Rússia e do Brasil o Mercado de Capitais americanso em especial as ações da Nasdaq (Nova Economia) geram efeito prosperidade tanto para o investimento como para consumo, assim o boom da nova economia fortalace as exportações de tecnologia proveninetes da Asia. Mas com o Price/Earning cada vez mais astronomico e uma economia descolada da realidade forjam o estouro da bolha. Em 2001 a Economia americana vê-se uma encruzilhada sem um Japão próspero para comprar títulos e permiti-la continuar se financiando (como feito no crash 1987). A solução será um defícit keynesiano com a Guerra do Iraque 2.0, maior financeirização e contar com a China para suprir a demanda por Treasuries. Os EUA confiam que ainda são porto seguro da economia e por isso continuam usufruindo do privilégio exorbitante, mas o surgimento de alternativas ao USD podem trazer sérias ameaças para economia americana continuar se financiando. O desafio é que a demanda dos EUA é determinante para a demanda global, portanto, uma crise naquele país tem alto poder de contaminação para economia global.

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