Eles vem chegando...
O novo normal da China e o papel do Brasil
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Por Sergio
Leo
Os projetos de investimento que já têm assegurado o interesse de
participação chinesa somam pelo menos US$ 53,3 bilhões, como revelado nesta
coluna. Já os contratos de financiamento, investimento e joint ventures entre
brasileiros e chineses a serem assinados formalmente durante a visita do
premier chinês Li Keqiang, que começa hoje, estão por volta de US$ 26 bilhões,
segundo informou a esta coluna o embaixador chinês no Brasil, Li Jinzhang,
influente ex-vice-ministro de Relações Exteriores da China.
"Nossos
dois países enfrentam o idêntico desafio de fazer ajustes em suas economias,
por isso a cooperação sino-brasileira precisa adaptar-se", disse o
embaixador, lembrando o que os chineses vêm chamando de "o novo normal" do país, com taxas
mais baixas de crescimento, menos ênfase na exportação de bens e esforços para
desenvolver o mercado consumidor interno.
"A situação de demasiada dependência do comércio de commodities não podia
continuar, e precisa ser transformada", comentou, ao falar da "nova
etapa" da relação bilateral, em que investimentos mútuos devem ganhar dimensão inédita.
Li
Jinzhang não confirmou o noticiado acordo para formação de um fundo de
investimentos de US$ 50 bilhões, entre o ICBC chinês e a Caixa Econômica
Federal. Mas adiantou que haverá vários acordos de apoio financeiro a serem
firmados por bancos chineses, que enviaram seus presidentes na comitiva de Li
Keqiang (pronuncia-se "Ketchiang"). O reforço da cooperação financeira
bilateral, para financiar projetos nos dois países e atuar nas instituições
multilaterais, é uma das prioridades dos dois governos para os próximos 40
anos, defende o embaixador.
"A
parte chinesa está disposta a reforçar nossa coordenação e ajudar o Brasil a
participar nos projetos de infraestrutura e comunicação da Ásia",
garantiu Li Jinzhang, ao mencionar a adesão do Brasil ao Banco de Infraestrutura da
Ásia, criado pelos chineses a contragosto dos Estados Unidos.
Segundo
informações do governo brasileiro, um pool de bancos deve anunciar financiamento bilionário à Petrobras -
que, em abril, já contratou financiamento de US$ 3,5 bilhões do China
Development Bank, o BNDES deles.
Estavam sendo negociados acordos semelhantes com a Vale e Embraer.
Visto
com desconfiança ou desinteresse por investidores ocidentais e assediado com
sugestões de reformas por governos de países desenvolvidos, o Brasil governado
por Dilma Rousseff abraça com interesse o abastado gigante chinês, que, como
define o presidente emérito do Conselho Empresarial China-Brasil, Sérgio
Amaral, tem, na visita de Li Keqiang, mais um ato de sua nova "geopolítica da
infraestrutura".
A
China, segundo Amaral, parece ver na América do Sul oportunidade de replicar o
que faz na Ásia, onde os chineses expandem influência promovendo e financiando
a chamada "nova rota da
seda", que conectará a China à Europa, passando pela Ásia Central, e ao Oceano
Índico, passando pela Tailândia com um trem de alta velocidade.
Li
Keqiang deve assistir, ainda, a assinatura de dois protocolos que, afinal,
liberarão a entrada de carne in natura brasileira na China e definirão
uma lista de
frigoríficos com "fast track" para habilitação pelas autoridades
sanitárias. Também se prevê a oficialização
da compra de 22
aviões da Embraer, modelo E-190, na
versão mais moderna. Mas o ponto alto da visita, para o embaixador chinês, é o
acordo de "desenvolvimento e
capacidade produtiva", aproveitando a experiência chinesa em áreas como
mineração, logística, portos, energia e infraestrutura em geral.
"A
China dispõe de tecnologia avançada, ricas experiências e financiamento, na
área de infraestrutura, sobretudo em ferrovias", exemplifica o embaixador.
É evidente o interesse chinês em avançar com a ferrovia transoceânica, que ligará o litoral Atlântico
brasileiro aos portos do Peru, no
Pacífico. Na lista de "colheita antecipada" possível para os negócios
bilaterais, os chineses preveem investir ou financiar, por meio da China
Railway Construction Corporation e da China Railway Engineering Corporation até
US$ 5,75 bilhões no trecho ferroviário que une Lucas do Rio Verde, no centro de
Mato Grosso, a Campinorte e Uruaçú, na ferrovia Norte-Sul.
Os
interesses chineses em infraestrutura no Brasil incluem até o possível
investimento de até US$ 1,2 bilhão, pela China State Construction Engineering,
no projeto de criação de uma "cidade
logística" em Pindamonhagaba, São Paulo.
O China Engineering Group mantém conversas com a empresa paulista Isoterma
Construções Técnicas para um ambicioso plano de abastecimento de água em São Paulo, que demandaria
investimentos de US$ 2,7 bilhões,
também incluído na lista de interesses dos chineses.
O embaixador Li Jinzhang não entra em detalhes sobre os projetos, mas
reafirma o interesse da China em projetos, no Brasil, para energia
hidrelétrica, solar e até nuclear. No setor de energia, os principais atores
serão a Corporação Três Gargantas (CTCG) e a Power Construction Corporation of
China (PCCC).
Sérgio Amaral vê, no interesse da China, uma oportunidade para o Brasil
substituir as construtoras envolvidas em projetos hoje ameaçados pelo
envolvimento de grandes empreiteiras brasileiras nos escândalos de corrupção.
Os chineses podem dar o fôlego necessário a firmas brasileiras de menor porte,
para que assumam obras em perigo, sugere.
Os
termos, condições e dinheiro de fato envolvidos nos promissores acenos dos
chineses começam a ficar mais claros a partir de amanhã, quando Li Keqiang,
desembaraçado líder chinês com grande poder nas decisões econômicas do país,
exibir o que trouxe na bagagem em sua visita ao Brasil. Uma visita que, aliás, é apenas a primeira
parada de uma viagem cheia de simbolismo por uma coleção de capitais
sul-americanas.
Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela
UnB. É autor do livro "Ascensão e Queda do Império X", lançado em
2014. Escreve às segundas-feiras